Em 27 de setembro, no Rio de Janeiro, milhares de crianças circulam pelas ruas da capital e municípios vizinhos, em busca de sacolas de doces e balas, doadas nas ruas e em casas em homenagem a Cosme e Damião, por adeptos do catolicismo e de religiões afro-brasileiras, numa prática que remontaria pelo menos à primeira metade do século XX. Como pode haver disputas pelos saquinhos, há doadores que transitam em carros, com paradas estratégicas para distribuição. Dá-se assim uma ampla movimentação envolvendo pessoas, espaços e coisas, que alguns analistas afirmam estar diminuindo nos últimos anos pelo peso dos pentecostais, que condenam a prática como idólatra ou demoníaca. Tomando o caso a partir das teorias antropológicas do ritual, este projeto pretende analisar a devoção a Cosme e Damião em torno de três eixos:
1) o eixo das relações de reciprocidade estabelecidas através da doação de doces, realizando uma “etnografia da generosidade”;
2) o eixo das relações interreligiosas na sociedade brasileira contemporânea, que, se podem se caracterizar pelo trânsito de personagens e práticas entre as diferentes vertentes, podem também se caracterizar por conflitos e ataques de intolerância;
3) o eixo das formas de sociabilidade no espaço urbano, estabelecidas ou ativadas a partir de rituais que serão tratadas através do mapeamento tanto de circuitos de distribuição de doces, como de templos que promovam a devoção (com destaque para igrejas católico-romanas, católico-ortodoxas, terreiros de umbanda, templos do santo daime).
Os eixos ligam-se às sub-áreas da teoria antropológica, antropologia da religião e antropologia urbana, tomando o fenômeno como um fato social total (Mauss, 2003). Metodologicamente, prevê-se a realização de observação participante; de entrevistas curtas e em profundidade; aplicação de questionários, in loco e pela internet, com diversos segmentos envolvidos; levantamento e análise de material acadêmico, de imprensa, religioso, iconográfico e em áudio.